Fico muito feliz quando vejo que a imprensa e a política brasileira, organizações normalmente consideradas atrasadas em relação ao restante do mundo, estão surfando as mesmas ondas que lá fora. Hoje de manhã fiquei sabendo, através do Chico Barney, que estamos em uma maravilhosa sincronia de discussões envolvendo política, imprensa e gibis:
A treta é basicamente a seguinte: tudo começou há um tempo na Ilha do Zuckerberg, quando o senador Randolfe Rodrigues, ex-PSOL, postou esta foto celebrando o aniversário de Antônio Gabriel.
Cinco dias depois, Rodrigo Constantino, o “liberal sem medo de polêmica” e escritor de sucesso, aproveitou o ocorrido para fazer um texto em seu site criticando Randolfe e fazendo uma patrulha ideológica (apesar de se dizer contra ela).
No texto, Constantino diz que “O senador preferiu usar como tema “Os Vingadores”, da Marvel, e colocou o filho vestido de Capitão América, o ídolo dos americanos patriotas”, que “Não vou nem perguntar se esse enorme brinco de sua bela esposa é biju ou ouro, para não cair em outra polêmica”, entre outras coisas. Não demorou muito para descobrirmos uma grande reviravolta nesta história, através do próprio site de Constantino:
(Vale lembrar, antes de prosseguirmos, que Constantino é um liberal sem medo de pedir desculpas, e até mesmo de ter seus textos apagados.)
Graças à roda viva que girou mais que a música do Chico Buarque, ficamos sabendo de fatos que deixariam João Kléber vermelho de inveja:
1- A mulher na foto não é esposa de Randolfe, e sim sua filha;
2- Antônio Gabriel não é seu filho e sim seu neto;
3- O tema da festa de 3 anos de Antônio Gabriel foi escolhido pelo próprio, em conluio com seu pai, o genro de Randolfe;
4 - A filha de Randolfe queria que seu filho “gostasse de coisas mais fofas e infantis”;
5 - O genro possui um pensamento político diferente de Randolfe e sua filha, mas mesmo assim convivem em aparente harmonia.
Tudo acabaria por aí, mas lembremos novamente que Constantino não tem medo de polêmica. Além de publicar a resposta da filha de Randolfe, ele comentou cada trecho da resposta dela. O mais importante é este:
“Eu admiro o capitalismo americano, por exemplo, e repudio o socialismo cubano. Por isso gosto que minha filha tenha acesso aos ícones capitalistas que simbolizam esse modelo de liberdade, como o Capitão América.”
Acontece que os ícones, símbolos e modelos que admiramos podem mudar, e é justamente o que está acontecendo lá fora com o Capitão América.
Sam Wilson, o Falcão, é um dos primeiros super-herois afro-americanos e, depois de muitos acontecimentos, foi anunciado em julho do ano passado como o novo Capitão América. A primeira edição só foi publicada mês passado, e não foi bem aceita pela imprensa “sem medo de polêmicas” de lá:
Claro que não demorou para a galera meter o pau na visão da Fox News do novo Capitão América:
E outros ainda foram além, criticando não só a visão da Fox News do Capitão América, como também do pré-candidato à presidência dos Estados Unidos, Jef Bush, sobre a série de TV da Supergirl:
Também vale lembrar que Os Filhos da Serpente, o grupo de supremacistas brancos tão questionado pela Fox, não é novo e, ao contrário do novo Capitão América, já estão na ativa há quase 50 anos:
Apesar do apelo “Keep politics out of comic books, that’s what I say” da apresentadora da Fox News, teremos ainda muitos outros capítulos nesta saga, no Brasil e lá fora, protagonizada não só pelos roteiristas de gibis, filmes e jornalistas, como também por parte do público.